A presença marcante de Elydio

Paloma Diniz, Alessandro Reinaldo, Alex de Souza, Elydio dos Santos Neto e Daslei Bandeira, em atividade do Grupo de Pesquisa em Humor, Quadrinhos e Games do Mestrado em Comunicação da UFPB, EM 2011

Paloma Diniz, Alessandro Reinaldo, Alex de Souza, Elydio dos Santos Neto e Daslei Bandeira, em atividade do Grupo de Pesquisa em Humor, Quadrinhos e Games do Mestrado em Comunicação da UFPB, em 2011

Quando a emoção é grande as palavras são poucas para dizer o que é preciso, ainda que seja apenas o essencial. Não é fácil conquistar uma grande amizade, as verdadeiras relações são cada vez mais raras, ainda mais quando movidas por companheirismo, admiração recíproca, afeto irrestrito e projetos comuns, que embalariam toda a vida. Elydio dos Santos Neto significou e significa tudo isso para mim, com quem tive a sorte de conviver nos últimos anos.

A produção de fanzines e a criação da editora Marca de Fantasia já valeriam a pena pelas amizades estabelecidas na troca de cartas e mensagens, que fazem do meio um grande manancial de intercâmbio e produção. Algumas amizades se estreitam ainda mais e eventualmente se concretizam em momentos de convivência real. Com Elydio fez-se assim, de uma comunicação epistolar chegamos ao mesmo ambiente acadêmico, em que traçamos projetos promissores.

Com o Grupo de Pesquisa em Humor, Quadrinhos e Games, do Mestrado em Comunicação da UFPB, na companhia de entusiastas como Paloma Diniz, Alberto Pessoa, Alessandro Reinaldo, Marcelo Soares e Alex de Souza, Elydio nos deu seu rigor científico nas análises brilhantes dos quadrinhos, nos ofereceu sua verve criativa por meio de projetos que se iam concretizando aos pouco.

Ao lado de sua companheira Marta Regina, Elydio desenvolveu várias pesquisas em quadrinhos e educação, que se transformaram em livros. Em seu Pós-Doutorado, realizado em 2010 no Instituto de Artes da UNESP, São Paulo, com o título “As Histórias em Quadrinhos Poético-Filosóficas no Brasil: origem e estudo dos principais autores numa perspectiva das interfaces Educação, Arte e Comunicação”, Elydio estudou o que considerava um dos mais instigantes gêneros de quadrinhos no país, com expressão local própria.

Esse trabalho gerou uma nova série de livros pela Marca de Fantasia, com abordagem das obras de Edgar Franco e Gazy Andraus. Outros livros viriam, assim como o projeto de Mestrado em História em Quadrinhos na UFPB, em andamento, do qual foi um dos criadores. Vencido pelo imponderável, Elydio partiu no dia 3 de outubro de 2013, levando consigo tantas ideias motivadoras, deixando um vazio profundo e incontornável, que somente a lembrança de nossos doces momentos pode servir de alento.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 29 de outubro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicidade
Publicado em Comunicação, Cultura alternativa, Quadrinhos | Marcado com , , | Deixe um comentário

Quadrinhos institucionais precisam de ação

Em 2012 a prefeitura de Santa Rita lançou a revista em institucional e didática “História de Santa Rita em quadrinhos”, contando a história do município desde a colonização da Paraíba até a atualidade. É uma longa história narrada de forma sucinta, em tom enfático, naturalmente, sobre as lutas da conquista do território e o desenvolvimento urbano e social. Ao final, são enumeradas as ações da administração atual da cidade, com os itens e equipamentos que fazem sua infraestrutura.

santarita-w

As conquistas territoriais da Paraíba em quadrinhos

A criação da HQ ficou a cargo de Jerônimo Júnior, responsável pelo roteiro e ilustrações, sobre pesquisa histórica de Marcelo Gomes, que se referenciou nos livros “Santa Rita de ontem e de hoje”, de Marcos Odilon e “Santa Rita e seus vultos folclóricos”, de José de Arimatéia Alves.

A história é contada por meio de uma sequência formal de textos e ilustrações, resolução comum às HQ didáticas e não consegue transpor esse limite, que impõe o texto à narrativa gráfica. Talvez o pequeno número de páginas, apenas 16, sendo duas capas, tenha sido insuficiente para permitir melhor desenvolvimento da história, que poderia contar com um personagem narrador interconectando momentos diversos do texto e protagonizando algumas ações.

Erro comum nas HQ didáticas, a necessidade de apesentar os fatos de vários períodos históricos ou dados objetivos de atuações administrativas acaba por engessar a riqueza da linguagem dos quadrinhos, que tem a ação como elemento motivador para o desenvolvimento da narrativa. Sem dúvida, uma história contada por personagens e suas ações é uma estratégia mais sedutora para o público leitor de quadrinhos, ainda mais para os jovens leitores em idade escolar, que se deduz que seja o público a ser alcançado pela revista.

A iniciativa não deixa de ser louvável, por tratar de nossa formação histórica, contar com a arte de artistas locais, escolher a História em Quadrinhos como meio de comunicação e linguagem artística, valorizando essa expressão além dos parâmetros meramente comerciais. A revista “História de Santa Rita em quadrinhos” tem capa em cores e páginas internas em preto e branco. Trata-se de uma pequena plaquete de 16 páginas no formato 15×22,5cm., mas poderia ter melhor impressão, já que foi produzida por um órgão oficial.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 22 de outubro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Quadrinhos | Marcado com | Deixe um comentário

Comunicação Alternativa e formação

No fascinante mundo da Comunicação, um setor se destaca por sua impetuosidade e paixão: a Comunicação Alternativa. O conceito do que seja alternativo não prescinde das ambiguidades que permeiam o termo, observando-se vários aspectos que caracterizam o que seja alternativo. Um dos mais relevantes, sem dúvida, é o que considera o alternativo em relação a quê. Numa definição simplificada, o alternativo se contrapõe ao que é dominante, seja no aspecto comercial, estrutural ou político. A Comunicação Alternativa deve responder pelo menos a um desses predicados, para que se tenha um diferencial aos sistemas vigentes.

Maria Magazine reúne quadrinistas de vários estados

Maria Magazine reúne quadrinistas de vários estados

Desde cedo comecei a fazer minhas próprias publicações, de forma amadora e intuitiva. Com o tempo, fui aprendendo com a prática, mas também com pesquisa espontânea ou orientada, nos Cursos de Comunicação Social da UFPB, no Mestrado em Ciências da Comunicação, na USP, no Doutorado em Sociologia, na Université Paris 7. Foi um longo e frutífero percurso, que aprofundou e deu substância as minhas incursões na Comunicação Alternativa.

Constata-se que não há muitas obras sobre Comunicação Alternativa, o que gera certo grau de dificuldade para os investigadores na área. Essa carência do mercado editorial, contudo, não desestimula a pesquisa desse fenômeno nos cursos de Graduação e Programas de Pós-Graduação em Comunicação do país. Por outro lado, é a autoedição e o empenho de pequenas editoras especializadas e alternativas, como a Marca de Fantasia, que vêm dar visibilidade a essa produção.

No bojo da Comunicação Alternativa teve-se a chamada Imprensa Alternativa, que alcançou grande projeção na década de 1970 pela oposição ao regime militar e à censura à imprensa. A Imprensa Alternativa foi a fonte inspiradora para muitos jovens que ansiavam por exprimir suas ideias por intermédio de vários discursos. Um deles era a História em Quadrinhos, particularmente as tirinhas publicadas nos jornais, com seu jogo de palavras, sua linguagem poética, seus espaços ao mesmo tempo velados e revelados do não dito.

A produção de tiras refletindo a realidade política e social nacional e, sobretudo, a realidade local, foi o mote para a criação de minha personagem Maria, que perdura por mais de 30 anos e segue saindo nas páginas do jornal A União e de sua própria revista, editada pela Marca de Fantasia. Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 15 de outubro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Cultura alternativa, Quadrinhos | Marcado com , | Deixe um comentário

Régis Soares e a charge na rua

Régis Soares, em caricatura de Tônio

Régis Soares, em caricatura de Tônio

Um fato aparentemente prosaico levou à afirmação de uma carreira que é uma unanimidade para os moradores de João Pessoa. Na rua Etelvina Macêdo de Mendonça, no bairro da Torre, em João Pessoa, encontra-se uma das mais representativas expressões de nosso humor gráfico, a “charge na rua”, de Régis Soares. Tudo começou com um protesto bem humorado: em 1986 um buraco em frente à casa do artista atormentava toda a vizinhança, como era época de campanha eleitoral ele colocou uma charge em um pequeno painel na calçada cobrando das autoridades a solução. Com isso, criou seu próprio veículo de comunicação, que é produzido até hoje.

Segundo Régis, em um dos primeiros painéis havia um homem dentro da lama segurando uma plaquinha que dizia “Assim não voto”. A charge fez tanto sucesso que a iniciativa ganhou fama na cidade, suplantando, mesmo, sua atuação na imprensa. Régis Soares, ou Reginaldo Soares Coutinho, em 2013 fez 52 anos e há 27 anos divulga semanalmente sua crítica aos fatos políticos da Paraíba, do Brasil e do mundo, além da crônica futebolística.

A morosidade do poder público em resolver os problemas da cidade contribuiu para a consolidação do trabalho de Régis. Durante quatro anos reclamando humoradamente do descaso, os transeuntes se acostumaram com as charges do artista, atentos à esperada solução. Quando a prefeitura resolveu o problema, Régis parou de expor sua arte, mas as pessoas passaram a cobrar que continuasse. Desse modo surgiu o projeto “Charges na Rua”, traduzindo as inquietações dos cidadãos, como um porta-voz do senso comum.

Sua atividade crítica, no entanto, não foi de todo pacífica. Se para a população as charges serviam de catarse, de uma revanche bem humorada, para os políticos, alvo principal do chargista, foi motivo para perseguições e ameaças. Não foram poucas as vezes que tentaram tirar sua placa da calçada com alegações normativas, mas Régis resistiu a todas as represálias, contando com a cumplicidade da população e o apoio da imprensa.

Régis Soares e sua obra já foram tema de dissertação de Mestrado, de documentários e reportagens, já virou nome de biblioteca e teve vários livros publicados. Régis já fez mais de mil charges na rua, provocando os poderosos e garantindo ao público motivos para muitas gargalhadas.

Henrique Magalhães

Publicado  no jornal A União, João Pessoa: 8 de outubro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Humor | Deixe um comentário

Quadrinhos em lançamento

Seção de autógrafos com Alberto Pessoa, Brum e Deodato Filho

Seção de autógrafos com Alberto Pessoa, Brum e Deodato Filho

Um dos momentos singulares da produção de História em Quadrinhos é o do lançamento da publicação. Comumente se faz mais de uma seção de lançamento, o que é bom para a promoção do álbum ou da revista e para o atendimento ao chamado dos eventos do gênero, que se multiplicam pelo país. Contudo, mais que a visibilidade que se ganha com a divulgação em jornais, sítios na internet, televisões e revistas, o lançamento é o instante privilegiado para se estabelecer o contato direto entre o artista e o público.

Na Paraíba, o local de destaque para esse tipo de evento é, sem dúvida, a loja especializada Comic House. Capitaneada por Manassés Alves há uns bons pares de anos, a livraria realiza eventualmente esses encontros, que atraem um bom público ávido pela dedicatória de seus ídolos. Muitos autores nacionais e mesmo internacionais já passaram pela Comic House, o que garante uma cena bastante rica para os quadrinistas e os leitores locais.

Em 21 de setembro de 2013 mais uma concorrida noite de autógrafos fez brilhar a noite da cidade, com o lançamento de trabalhos de Alberto Pessoa, Mike Deodato e Rodrigo Brum, que contou com a presença massiva do público. Alberto Pessoa é paulista, mas radicado na Paraíba, onde ensina no Curso de Comunicação em Mídias Digitais e no Mestrado em Comunicação, da UFPB. Considerando-se já um autor paraibano – visto que parte de sua produção foi realizada no estado – lançou pela Marca de Fantasia o álbum Medo!, numa bela homenagem ao estilo gráfico imortalizado por Flavio Colin.

Deodato é um dos quadrinistas veteranos do estado, cuja obra ultrapassou todos os limites da terrinha e conquistou fãs em todo o mundo. Para o lançamento, trouxe os álbuns Vingadores Sombrios, lançado pela Panini Comics; A arte cartum de Mike Deodato Júnior, pela Kalaco; e o Sketchbook do autor, pela editora Criativo. De Natal, Rodrigo Brum trouxe as publicações Brummmmm e O guarda-vidas, ambas como autoedição.

O clima de camaradagem e simpatia é forte nesses eventos, que oferecem ao público um momento raro para ver o artista em ação, não só dedicando as publicações, mas o brindando com pequenos desenhos espontâneos e originais. Esses instantes catárticos certamente ficarão guardados na memórias de todos os autores e fãs.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 1 de outubro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Quadrinhos | Marcado com | Deixe um comentário

Um olhar sobre a crônica política dos quadrinhos

Livro de Keliene Christina sobre a obra de Angeli

Livro de Keliene Christina sobre a obra de Angeli

Uma das características dos quadrinhos brasileiros, em particular as tiras humorísticas, é seu viés político, refletindo e problematizando os fatos do cotidiano. Essa verdadeira tradição, que têm ainda o jornal diário como suporte privilegiado, surgiu com a explosão da imprensa alternativa e armou trincheiras nos grandes jornais do país. Com as tiras tivemos o humor crítico, irônico e por vezes sarcástico de toda uma geração de cartunistas, que por seu intermédio rompia o silêncio imposto pela censura oficial.

Entre as décadas 1960-1980 floresceram personagens como Rango de Edgar Vasques, Fradim e Zeferino de Henfil, As Cobras de Luís Fernando Veríssimo, O Pato de Ciça, e tantos outros que fizeram o descarrego do ufanismo de fachada dos governos militares. Veio então a geração que protagonizou a seção de tiras da Folha de S.Paulo, no início da década de 1980, que se concentraria no elenco da editora Circo, promovendo grande renovação no humor gráfico nacional.

Sem dúvida, a obra de Angeli é das mais significativas desse período. As tiras e depois a revista Chiclete com Banana foram divisores de águas, por dar vez a personagens que tratavam de outros aspectos da vida comum de certo modo apartada das estruturas políticas convencionais. O punk, a boêmia, os ex-guerrilheiros, o machão defasado, são algumas das figuras emblemáticas do autor, que mirava mais o submundo nas entranhas da metrópole.

O mergulho de Angeli no universo underground, que bebeu na fonte da contracultura da década de 1960, não o distanciou da realidade crua que transformava o país num laboratório de sucessivas experiências políticas populistas desastradas. Seus quadrinhos abordaram como nenhum outro os desmandos da Nova República, que sucedeu a ditadura militar, atingindo as vísceras do poder.

É exatamente a análise da crônica política através da história recente o que encontramos no livro Angeli e a República dos Bananas, de Keliene Christina da Silva. Lançado pela editora Marca de Fantasia e disponível gratuitamente, o livro é fruto da dissertação da autora no Mestrado em História, da Universidade Federal da Paraíba, que teve a orientação da professora Doutora Regina Behar. A obra de Keliene é uma grande contribuição para o estudo dos quadrinhos, bem como para se ver a História por intermédio da lente do humor.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa: 24 de setembro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Quadrinhos | Marcado com | Deixe um comentário

Quadrinhos e ateísmo: concurso

Rendez-vous-diagrama

Há cinco anos a editora Marca de Fantasia realiza concurso de quadrinhos para estimular a criação e promover a difusão do trabalho de novos artistas, ou mesmo dos veteranos que eventualmente participam. As três primeiras edições se concentraram na produção de tiras humorísticas, gênero de quadrinhos muito apreciado pelos brasileiros e com boa inserção nos jornais locais de várias cidades do país.

O resultado dessa fase foi a publicação dos álbuns “Gag: as melhores tiras humorísticas” e “Gag: o humor é o motor”, com as tiras selecionadas mais a inserção de outros autores na revista “Maria Magazine”, especializada em tiras de humor. As publicações, como todas as demais da editora Marca de Fantasia, não visam o lucro, sendo vendidas a preço de custo. Os autores participam solidariamente, movidos pelo desafio criativo que o concurso oferece.

Em 2012 houve uma inovação, com a chamada de trabalhos com um tema ainda considerado tabu: a homossexualidade. Provando que os costumes têm mudado rapidamente no país e que os quadrinistas acompanham as mudanças com o fomento de novas ideias, o resultado do concurso “HQ e homossexualidade” foi dos mais surpreendentes, com o envio de trabalhos de alta qualidade gráfica e textual. O álbum “Amores plurais”, que resultou do concurso, reúne obras de quadrinistas de todo o país e de Portugal, com histórias contrárias aos preconceitos e plenas de sensibilidade.

Seguindo o propósito de instigar a reflexão e estimular a criatividade, o tema do concurso deste ano é o ateísmo, que pode ser expresso na negação da religiosidade e, sobretudo, no questionamento à existência de Deus. A proposta não inclui o satanismo ou as crenças pagãs, que seriam o outro lado das religiões consensuais, muito menos o agnosticismo, que vem a ser a dúvida sobre a existência ou não de Deus. O ateísmo é a postura radical de que o ser humano prescinde da fé para reger-se pela ética que provém da racionalidade.

Podem participar autores profissionais ou amadores, individualmente, em dupla ou em grupo, com uma ou mais histórias com até seis páginas ou série de tiras, com no mínimo 10. As normas para o concurso estão no sítio da editora: http://www.marcadefantasia.com.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 17 de setembro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Quadrinhos, Religião | Marcado com , | Deixe um comentário

Imaginário de quadrinhos e leituras afins

Edição 4 da revista Imaginário!

Edição 4 da revista Imaginário!

A Universidade tem sido, naturalmente, o celeiro da pesquisa acadêmica, em que são investigados os mais variados sujeitos de interesse científico e social. Dado a sua relevância como expressão artística, meio de comunicação e instrumento pedagógico, a História em Quadrinhos não poderia deixar de ser levada em consideração, ainda mais na atualidade, com o prestígio que tem alcançado como um dos campos mais rentáveis da Indústria Cultural.

Já há algum tempo os quadrinhos deixaram de ser vistos como uma subliteratura, até mesmo como perniciosa à formação da juventude. Esse tempo esvaiu-se na virada da década de 1970 para 1980. Embora ainda tenham que enfrentar algum desdém de setores da intelectualidade, os quadrinhos agora fazem parte de políticas educacionais, são aplicados em sala de aula como ferramenta de apoio didático e sua leitura é incentivada nas bibliotecas escolares.

Apesar de não se ter no país um mercado forte, criativo e promotor dos valores locais, os quadrinhos não param de ser produzidos por jovens artistas, que propõem por vezes verdadeiros trabalhos autorais, plenos de personalidade e inovação. Atuando fora do mercado, esses artistas investem em auto-publicações, seja em forma de fanzines e revistas independentes, seja como álbuns, que chegam a se equiparar em qualidade gráfica com as melhores publicações comerciais.

O resultado dessa investida autoral é o direcionamento dos quadrinhos para uma arte reflexiva e voltada para o público adulto, com temáticas e abordagens que passam ao largo do conservadorismo das grandes editoras do mercado. São obras que se enquadram no chamado estilo underground, tocando nos conflitos humanos em meio à caótica diversidade urbana. Vê-se também uma forte vertente filosófica e poética em trabalhos experimentais movidos por pesquisas gráficas e textuais.

Os quadrinhos, que não cessam de sofrer transformações em sua linguagem, estrutura formal, modo de produção e campo de atuação, fomentados inclusive pelas novas ferramentas computacionais, são o universo de estudo do Grupo de Pesquisa em Humor, Quadrinhos e Games do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, que lança semestralmente a revista eletrônica Imaginário! para divulgar os trabalhos desenvolvidos pelo grupo e por pesquisadores de todo o país.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 10 de setembro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Comunicação, Cultura Pop, Fanzine, Humor, Mídias digitais, Quadrinhos | Marcado com , , | Deixe um comentário

A terceira onda: quadrinhos paraibanos rumo à profissionalização

3aonda-w

Capa da revista A terceira onda

Em 1963, em Campina Grande, o pioneirismo de Deodato Borges fez surgir O Flama, primeiro personagem e revista em quadrinhos da Paraíba. No início da década de 1970, em João Pessoa, aconteceu o que podemos chamar de “primeira onda”, com a passagem de nossos jornais da impressão “a quente”, para a offset. Uma série de personagens surge, então, da pena do próprio Deodato Borges (Planeta Maluco), Richard Muniz (Shangai), Luzardo Alves (Bat-Madame), Marcos Tavares e Juca (Adub, o camelo) invadindo nossa imprensa diária e a imprensa alternativa.

O lançamento dos suplementos dominicais O Norte em Quadrinhos, do jornal O Norte, a partir de 1975, e O Pirralho, de A União, a partir de 1976, detonou a “segunda onda”, com inúmeros quadrinistas despontando com seus heróis e heroínas em tiras e HQ de aventura e humor. Esta fase durou até o final da década de 1970, com alguns autores persistindo, em seguida, na publicação de tiras diárias.

Também nesse período viu-se florescer um sem número de revistas alternativas: Emir ribeiro lançou uma série com a personagem Velta; Henrique Magalhães produziu uma dezena de revistas Maria; Deodato Borges e Filho fizeram circulara a HQ. Essas revistas continuaram saindo até o início dos anos 80, com algumas experiências de publicações coletivas, como as revistas Gran Circus e Leve Metal. Os fanzines vieram, então, substituir as revistas, abrindo um espaço reflexivo fundamental para o amadurecimento dos quadrinhos paraibanos.

A “terceira onda” começou ainda na década de 1980, mas tem se consolidado nos anos 90, com os quadrinistas atingindo a profissionalização. Cristovam Tadeu e Henrique Magalhães ampliam a criação de personagens e ocupam espaço em revistas e jornais diários da Paraíba. Deodato Filho e Emir Ribeiro invadem os Estados Unidos, produzindo um trabalho de reconhecida qualidade dentro do universo dos super-heróis e conquistam o público estadunidense.

A editora Marca de Fantasia (www.marcadefantasia.com) apresenta a 3a edição do catálogo da exposição realizada em maio de 1996 na Galeria Archidy Picado, com o trabalho dos autores dessa “terceira onda”, como o registro de um momento de transição que prometia abrir perspectivas ilimitadas para os quadrinhos paraibanos. A edição procura ser o mais que possível fiel à original, reproduzindo os textos e mantendo o contexto em que foi publicada, no que tange ao seu recorte temporal.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 3 de setembro de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Quadrinhos | Marcado com | Deixe um comentário

Um nome no coração da cidade

Cabo Branco-jun.2013-04Não há o que maltrate mais uma cidade que carregar seu nome infeliz. Onde já se viu cidade com nome de homem! Dá pra comparar João Pessoa com Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória, Olinda, Recife, Fortaleza, Maceió, Diamantina? Ora, paciência, João Pessoa não reflete os encantos de uma cidade que se destaca pela preservação da natureza, pela vida serena e bucólica. Antes do atual, e por muito mais tempo e tradição, tivemos Parahyba como nome do estado e da capital. Este sim, um nome de rio, cuja denominação fora atribuída por nossos ancestrais indígenas, que lutaram bravamente contra sua conquista.

Não há que se apagar a história e incorrer no revisionismo factual. Contudo, coloquemos as coisas em seu devido lugar. A morte de João Pessoa – o político – e a Revolução de 30 mudaram o destino do país, e não importa a esta altura se para melhor ou pior. Aos seus antigos e ainda influentes partidários não é dado negar o afinco em realçar o heroísmo do patrono. Mas a cidade é de todos, não de um agrupamento político, não merece carregar eternamente o sangue dos embates de 1930.

João Pessoa já é lembrado no nome da principal praça da capital, local adequado para uma homenagem política visto que é lá onde se situa a representação dos três poderes e palco de manifestações da sociedade civil organizada. Não é desrespeito, portanto, mudar o nome da cidade para outro mais apropriado, seja voltar ao marcante Parahyba, seja outro mais telúrico ou poético.

Enquanto o povo não se mobiliza e cobra dos políticos a mudança do nome da cidade, podemos usar a criatividade da cultura popular: denominar carinhosamente aquilo que amamos com apelidos afetuosos. Assim se deu com a avenida Beira Rio, que substitui o nome do Ministro José Américo de Almeida. O mesmo acontece com a Lagoa, a Bica, o Pavilhão do Chá, a Mata do Buraquinho, o Ponto de Cem Reis, o Largo das Gameleiras, a Praça das Muriçocas, a Praça do Bispo, que invariavelmente carregam nomes de homens, mas que o povo sabiamente lhes soube alcunhar.

Apelidemos também nossa cidade, que já mereceu alguns codinomes dignos de seu esplendor, como Jardim das AcáciasCidade Verde. Passemos a chamá-la de Cabo Branco ou Miramar ou Jaguaribe ou de novo Parahyba. Com veemência e decisão o povo pode se antecipar e forjar um nome próprio para a cidade, ainda que sob o mimo de um meigo apelido.

Henrique Magalhães

Publicado no jornal A União, João Pessoa, 27 de agosto de 2013, 2o Caderno, p.7.

Publicado em Urbanidade | Marcado com | Deixe um comentário